lunedì, novembre 28, 2005

Sobrevivência

(isso é uma continuação. você não viu a primeira parte?)


Acordei uns três dias depois, era quinta feira. Dentro de mim tudo doía. Estava febril e fraco, na minha cama. A família preocupada em volta. Ninguém podia entender o que tinha me acontecido. Expliquei minha versão dos fatos. O médico disse que tal órgão não existia, acho que conversaram sobre a possibilidade de eu estar alucinando, me testaram em busca de todo tipo de drogas - passei uma semana arrastado de casa para o hospital e então de volta, e nada. Minha mãe trazia olheiras de preocupação, e cada vez que eu pensava em explicar o que aconteceu ela destava a chorar. Fiquei puto. Fodido mesmo, todo mundo dizendo que queria me curar e ninguém parava um segundo pra me ouvir. Levantei uma noite e fui embora. Essa raiva me deu uma energia provisória importante para tudo o que aconteceu a seguir; era como se por alguns instantes ela pudesse substituir o que eu tinha perdido.

Era fevereiro, mas eu sentia muito frio. Guardei tudo que conseguia carregar numa mala e vesti um sobretudo berrante, de uma fantasia de Dick Tracy que uma vez eu tentei usar no carnaval. Saí de noite, sem fazer idéia de onde ir, com os trocados que apanhei pelos cantos da casa. Toda certeza que eu tinha era uma só: era preciso achar o homem do saco e recuperar o que era meu. Pista eu não tinha nenhuma, mas esse tipo de coisa é praticamente desnecessário. Fui para o centro, que é onde gente perdida se perde mais até chegar onde não esperava.

Passei uns três dias na base da raiva e dos trocados, sobrevivendo sei lá como a tudo isso, dividindo o espaço com mendigos. Comer no centro é bem barato e não vivi tão mal assim. Eu lia dentro dos sebos e nessas horas a vida nem parecia doer; conheci todos os hits de camelôs e achei que podia ficar ali para sempre. Mas a energia que eu tinha conquistado era temporária, e começou a se esvair. Milha pele que andava vermelha perdeu toda a cor e eu agora era um tom de cinza ambulante. Se fazia necessária uma atitude rápida, mas de fato, nada que eu soubesse me ajudava, nenhum médico, nenhum amigo, nem mesmo um mendigo que disse que foi pai de santo.
Eu ia morrer tão rápido que nem sabia como.
E o porra do homem do saco ia ficar rindo com a última parte viva de mim numa estante de troféus.
*
Os oráculos de rua são assim. Eles passam pelo meio das histórias sem fazer sentido. Eles pegam nossa convicção que nada se perde e nada se cria e tomam na sopa; se tudo se transforma, não é por essa ou por aquela lei da física agiu, é porque um deles esteve presente. Pelo menos na cidade.
A minha foi uma velhota de aspecto horrendo e fedor inacreditável. Cabelos brancos e longos e quase nenhum dente, roupas indicando a mais longa mendicância, parou para comer uma banana do meu lado. Quase vomitei tudo o que restava das minhas tripas ao assistir ao gesto horrível de mastigação escancarada no qual ela insistia. A banana se amassando contra a gengiva escurecida de sujeira, e meu esôfago pulsava para fora.
Ela me disse:
- Tu tá morrendo, filho! Vai pra casa que eles te curam.
Me lembrei de que não poderia voltar a minha casa. Pensei em discutir com ela. A sujeita foi mais rápida.
- Não a da tua mãe. Não a tua que ainda não existe. Vai pra casa dos macacos.
"Ah, sua velha maluca, se eu quisesse conversar com você, gritava! Que tipo de loucura é essa que você acha que existe uma casa dos macacos e que podem ter eles a ver com me curar?"
Ao invés de ler meus pensamentos de forma tão clara como fez da primeira vez, a velha largou a casca da banana do meu lado e foi andando embora até sumir. Alguma coisa me impediu de segui-la, por mais que minha vontade fosse entender a insanidade dessa mulher. Vi que ela deixou caida perto do meu pé a casca de banana, e sob ela, desenhado num guardanapo engordurado de pastel, um mapinha.

4 commenti:

  1. Viu, gente, se estiver uma bosta, alguém tem que avisar, porque se não eu não paro.

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  2. simples cotidiano nosso ou não?! né mesmo?!

    adorei muito tudo isso aqui!

    abraço

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