Quando eu comprei a passagem, a moça da bilheteria deu uma risadinha irônica. Pensei brevemente no que podia ser tão idiota assim em comprar aquela passagem, mas conclui que ela deveria era estar louca e fui tomar o café com pão de queijo da estação. Café, pão de queijo e estações de trem tem uma força anos trinta incrível, então rapidamente todas as cores decaíram a tons de sépia e as roupas se tornaram aquelas coisas charmosas, desconfortáveis e quentes de muito tempo atrás.
É curioso que em pleno século vinte e um o único jeito de se chegar naquela montanha seja de trem. Eu não devia perder tempo indo até uma montanha besta; eu devia ser Maomé. Mas eu não sou, e preciso ir até a porra da montanha.
Café nos anos trinta era engraçado, foi a primeira coisa que eu descobri. Quer dizer, ele era todo plantado aqui e era muito que sempre sobrava, então é algo de incrivel como o grão era mais fresco.
A segunda coisa que eu descobri é que pouquíssima gente entrava nesse trem. Uns solitários de capotes, umas jovens donzelas ingênuas e alguns boêmios cheios de conhaque e ópio. Ninguém embarcava acompanhado, e as pessoas na estação pareciam olhar curiosas em volta, todas com a mesma ironia contente da mulher que vendeu a passagem. A fila andou, um moço recebeu minha passagem; ele não falou com mais ninguém, mas na minha vez, me fitou nos olhos, e me disse com uma clareza solene: "Até que o trem pare, você não pode sair." Eu concordei com o pescoço, embaraçado pelo conselho um tanto ridículo e óbvio que acabara de ouvir. Um monte de silenciosos depois de mim, até que finalmente partimos.
Duas horas de trilhos e a paisagem urbana já deu lugar a pés de café e vacas. Na terceira, já podia ver a montanha lá no horizonte; meio azulada, como dizem que é o Olimpo, porque nessas horas a gente fica querendo ser heróico que nem aqueles intelectuais que sempre falam de coisas gregas. Achei que até o fim do dia chegaríamos, até entrar num túnel escuro e terivelmente longo. Passou a noite toda lá, e talvez alguma manhã. Claustrofóbico demais, mal consegui dormir. Quando acordei, a montanha estava lá atrás. Perguntei ao moço que conferia o bem estar dos passageiros. "Por ali não havia acesso; acalme-se, agora já estamos quase chegando. O senhor não pensou que seria uma linha reta, não é mesmo?"
Eu me senti idiota de ter acreditado na linearidade. Está bem, que venham as curvas, já estamos chegando. Curvas e curvas e mais curvas, e já voltamos a direção da montanha. Há um mar de morros. As curvas sobem e descem e contornam cada um dos morros, e depois pontes passam por cima dos morros e das curvas, e a noite acontece e desacontece, e ainda estamos chegando. "Agora falta tão pouco, por favor se acalme."
Só as vezes, parece que estamos chegando realmente mais perto, e então, curva! e estamos de novo sempre a mesma distância. Nunca a montanha. Sempre falta tão pouquinho; o trem nunca pára. Eu não aguento mais. Preciso descer. Vou até a porta do vagão. A janela tem o rosto da balconista, ela sorri e diz "o senhor não pode descer de um trem em movimento." A porta não abre. Agh! "Por favor, senhor, se acalme e sente. Nós já estamos quase lá."
É mentira, a montanha não chega, o trem não pára. E eu não posso descer.
Um dia a gente aprende a ser feliz só de ver a paisagem e ouvir o som dos trilhos, sempre sorrindo com a idéia de que vamos à montanha.
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