Era uma vez três irmãos porquinhos que precisavam de corações para que seu sangue circulasse e suas bochechas corassem e eles pudessem sorrir.
O primeiro gostava muito das coisas cristalinas e transparentes. Ele queria um coração que filtrasse a luz como um prisma, que mostrasse força e leveza, que fosse sólido e puro e inatingível. Então ele fundiu a areia da praia, preencheu um molde e o lapidou, até que fez um coração de vidro, límpido e reluzente. Como era duro e pontiagudo, conseguiu enfiá-lo no seu peito como um punhal, e lá ele ficou.
Um dia o Lobo Mau veio do mato. Com seus olhos de lobo, ele viu a cicatriz no peito do porquinho e percebeu o que tinha ali. Disse "Dê-me esse coração, porquinho!". Mas o animalzinho era rígido e puro, bateu o pé e disse firmemente que não. Enfurecido, o Lobo alertou "Eu vou cantar e cantar e cantar e seu coração eu vou estilhaçar!". O porquinho riu-se dessa estranha ameaça, mas o Lobo, certo de si, sentou-se defronte a ele e começou a uivar, um uivo perfeito de soprano, umas notas tão agudas, um som tão intenso, que o coração de vidro do pobre porquinho se agitou tanto dentro daquelas entranhas, se bateu contra isso e contra aquilo e contra si mesmo e se partiu em mil pedacinhos, que voaram pelas veias e artérias e deixaram o porquinho morto, todo esburacado, sangrando ali no chão.
Para o segundo porquinho, nada era melhor do que as coisas flexíveis e macias. Procurou, para fazer seu coração, algo que pudesse se esticar e torcer e no fim voltasse sempre pra mesma forma, um coração espertinho que pudesse resistir a todas as brincadeiras. Rasgou a carne de uma árvore, colheu-lhe o sangue e moldou-se um diminuto coração de borracha. Como era muito mole e flexível, o coração pôde ser engolido pelo porquinho, que enfiou-o goela abaixo e ajeitou sua posição com exercícios de diafragma.
Depois de deixar o primeiro porquinho, o Lobo Mau sentiu-se solitário. Com o seu nariz de lobo, ele farejou a borracha e encontrou o irmão de sua vítima. Era muito esperto e sabia de onde vinha o cheiro; disse "Dê-me esse coração, porquinho". Mas esse segundo porquinho era malicioso e sabido, e fingiu que fosse dar sim, contando uma mentira aqui e outra ali, fazendo o Lobo esperar por horas a fio, sem nunca entregar seu coração. Finalmente, o Lobo Mau se cansou do jogo e gritou "Eu vou dançar e dançar e dançar e o seu coração eu vou arrancar". O porquinho ficou parado pasmo, sem entender nada.
Agilmente, o Lobo começou a dançar ao seu redor. Fazia piruetas, dava saltos, dançava balé e polca e samba, agitava todo o seu corpo de maneira que os olhos do porquinho tinham que rodopiar e rodopiar para acompanhá-lo. O coraçaozinho de borracha tentava seguir o movimento dos olhos, e foi se torcendo até virar um nó bem espremido. De súbito, o Lobo parou! Nisso, o nó se desfez com tanta força que aquela borracha torcida virou uma catapulta no interior do peito do porquinho, forçou-lhe todas as tripas para fora, pela boca. Caiu o segundo irmão morto, sobre uma poça de vômito e intestinos.
O irmão mais velho era o mais corajoso e forte dos três. Preferia um coração que fosse como ele, poderoso, radiante, temível e protetor ao mesmo tempo. Esfregou suas patas contra o peito, muito rápido, muitas vezes, com muita força. Primeiro só as dianteiras, depois, como não bastasse, usou também as traseiras, torceu-se inteiro, passou uma semana rolando pelo chão, até que todo aquele calor fez queimar em seu peito um coração perfeito, todo feito de fogo.
Lá longe, o Lobo Mau estava enfadado. Com seus ouvidos de lobo, ele ouviu o crepitar do coração do terceiro porquinho. Pôs suas pernas de lobo para correr rapidamente naquela direção, seu nariz de lobo para farejar a fumaça, sua boca de lobo salivava e salivava de apetite por aquele coração, até que seus olhos de lobo o avistaram. Era lindo, não havia nada no mundo que um Lobo Mau pudesse querer mais que o coração flamejante daquele porquinho. "Dê-me seu coração!", ele gritou, mas o porquinho apenas sorriu e disse "Você não merece." "Dê-me seu coração!", ele insistiu muitas vezes, mas não adiantava. O Lobo prostrou-se e parou para pensar um pouco. Finalmente, recuperou a confiança de sempre, ergueu-se sobre duas patas, ficou o mais alto que podia, e declarou, resoluto: "Eu vou te olhar e te olhar e te olhar, e teu coração eu irei conquistar". E fez apenas isso.
Era um olhar profundo que o porquinho não podia desviar; algo tão forte, tão desejoso, que ele precisava ficar ali, que ele precisava entregar seu coração. Mas não podia, imagine, sem seu coração ele morreria. Foi ai que o plano do Lobo começou a funcionar; aquele olhar era mais quente do que as patas do porquinho; mais do que rolar pelo chão por uma semana inteira; até do que a luz do sol. Era tanto que o fogo começou a crescer. O porquinho mais velho gritava de dor enquanto era consumido por seu próprio coração gigante de fogo.
Vitorioso, o Lobo esperava que agora bastaria parar de fitar e o fogo não mais cresceria. Mas, da mesma maneira que seus olhos eram hipnóticos, também o era a chama. Ele não poderia separar-se dela, nem deixar de alimentá-la, e o coração flamejante foi virando uma pequena estrela ali no meio da floresta. Queimou o Lobo, cremou os corpos mortos dos porquinhos e espalhou suas cinzas pelos ventos; consumiu as árvores, os animais e a grama; evaporou os rios e matou todos os peixes, e só parou de crescer quando não havia mais nada que pudesse incendiar. Finalmente, no meio do deserto chamuscado, a chama foi minguando, minguando, até que daquele imenso coração só restou uma brasinha. Que, delicadamente, pousou sobre o chão e depois de um, dois, três, três segundos e meio, se apagou.
Lucas!! Eu só gosto de finais felizes, mas vou alegremente abrir uma exceção aqui. A sua história é totalmente perfeita. Parabéns!!!!
RispondiEliminatambém poderiamos falar q isso é amor. e viva viva as fábulas!
RispondiElimina