mercoledì, giugno 27, 2007

O que é uma autobiografia pra quem ainda não fez nem vinte e cinco anos?

Começa com uma citação imperfeita, a transcrição apenas em texto de algo que é rico justamente pelas imagens: "- Vou tentar explicar minha dificuldade. Cada vez que começo a produzir uma história... quando lampeja um início de idéia... me toma uma grande excitação - um frenesi criativo, que supostamente leva ao fluxo de idéias periféricas, que se articula à idéia central... e tudo culmina no êxtase da estrutura definitiva. Mas, em alguns casos (como o meu)... o tal frenesi só conduz à ansiedade... e a uma forma paranóica de temor, um temor de que a própria idéia matriz se volatilize, se perca no éter! Eu... comecei a fazer histórias pelo processo de imitação de modelos. Acho que muitos desses modelos... sofriam de uma discrepância entre as promessas contidas nas capas, títulos - e o seu conteúdo real. Talvez... talvez eu tenha me deixado contaminar por esse desequilíbrio. Hoje, pelo temor de uma frustração com o resultado futuro, minhas idéias se atropelam... se apressam em antecipar sua forma final, título, capa...e o pacote já vem com as críticas e repercussões negativas. (Por algum motivo, as positivas não aparecem). Daí eu deixo tudo de lado. Começo de novo... e de novo... e de novo. Etc."

Disse uma moça desenhada pelo Laerte, na última página daquele caderno do jornal, que nesses momentos parece ser o único motivo pelo qual os jornais merecem existir. Isso descreve o que chamamos de bloqueio criativo, mas se você está lendo até aqui, já deve ter compreendido essa parte. Qualquer artista - músico, escritor, cineasta, grafiteiro - corre risco de ver seu processo de trabalho interrompido por essa besta voraz.
Problema: o que acontece quando você percebe que sempre encarou sua vida como a sua obra prima, e que agora esse bloqueio criativo não fala só da sua capacidade de terminar um conto, mas sim da sua forma de se relacionar com os seres humanos ao seu redor?

Lucas Lui, nascido em São Paulo no emblemático ano de 1984, sempre sentiu necessidade de projetar o seu futuro não como um sonho, mas como uma obra de ficção, com conflitos, reviravoltas na trama e significados ambíguos. Naquele filme, "Réquiem por um Sonho" tem a cena de recordação do neguinho morrendo fritado que ele se lembra ainda menino correndo. Correndo na chuva gritando "Mommy, mommy! I'm gonna make it someday! I'm gonna make it, I swear!". E aquela big black mamma esperando calma sentada no fim do corredor escuro acolhe ele no colo e explica que ele não tem que make it porra nenhuma, ele só tem que amar a mãe dele muito e ser aquela coisinha linda que ele é.
Nesse parágrafo aqui em cima, eu comecei uma citação, baguncei ela toda, não me importei nem um pouco com a fidelidade para a cena original, só com o significado que aquilo adquiriu para mim. Para explicitar isso para o leitor (você, que se está aqui já sabe disso e não precisava ser informado) eu alterei a estrutura de pontuação das frases, para parecer mais com a maneira que eu formulei a idéia dentro do meu pensamento do que com uma sentença coerente e ordenada. Isso é uma imitação de modelo (como o processo que se menciona acima), no caso, de uma estratégia dentre muitas outras copiada de algo que estava muito em voga no começo do século vinte e se chama fluxo de consciência - claro que você sabe muito bem disso. Eu devia parar de escrever sobre isso, porque estou apenas reafirmando para um leitor bem formado aquilo que ele já sabe justamente por ser quem é. Inclusive, se o texto é sobre escrever desse jeito, e viver a vida como se a estivesse escrevendo desse jeito, parece um tanto inútil, então eu pararei por aqui e apagarei essa porra toda.

Porque Lucas Lui, criança muito inteligente que foi, sempre procurou cercar-se de um tipo de pessoa, desde os tempos de escola: as que eram inteligentes o suficiente para apreciar as fábulas em que sua vida se tornava, mas não tão críticas que de alguma forma pudessem desvendar por completo seus recursos narrativos, a maneira como construia a fantasia a respeito do próprio ser. Vez ou outra, transformou algumas poucas dessas pessoas demasiadamente críticas em grandes amigos, a quem admirava - queria tornar-se tão inteligente quanto elas, para que então ninguém o desvendasse.
Analogia, era isso o que estávamos fazendo aqui, você e eu. Uma analogia entre o papel das pessoas críticas com o da auto-crítica. Porque o artista que não tem nenhuma começa a produzir freneticamente e sem critério, um monte de lixo. Mas aquele que tem demais desiste de todas as suas criações antes de começar. Na obra-vida, o jogo entre esses termos se torna incrivelmente perigoso. E quando então, você se habitua a ser crítico demais e daí força tudo isso para fora de si? Um conflito permanente, de sempre dar as coisas por prontas mesmo sabendo que não estão boas o suficiente para o mundo - pela preocupação de depois destruí-las na certeza de que jamais terão qualquer qualidade. Auto-condenação à mediocridade como forma de redenção intelectual pela ilusão de produtividade regular.

Já o adolescente Chokito (a quem não sabe, esse um dia fui eu) aprendeu que um autor personagem não pode dispor de um único nome, uma única imagem. Ele teria que na sua vida, sua vida inteira, só viver as vidas de uma única pessoa, que obviamente jamais seriam suficientes para cobrir todo o espectro de vidas maravilhosas que pululavam em sua imaginação. Ele durante anos agiu como uma versão selecionada de si mesmo, transformando alguns traços em caricatura, simplesmente apagando outras. Muita gente não gostava desse Chokito, talvez porque o véu da caricatura fosse muito fácil de retirar.
Estamos acostumados a desvendar os textos subsidiados por teorias psicanalíticas. Fico pensando, ao invés disso, como seriam as análises literárias baseadas na psiquiatria - o parágrafo retrasado talvez ganhasse um tratamento para transtorno bipolar, ou qualquer coisa simpática desse tipo. Teria até certa utilidade prática: você leva seus livros favoritos ao seu psiquiatra - e CDs, e DVDs, e pôsteres - e não precisa de consulta, já sabemos quem você é e que problema você tem.

Na hora que começar a virar gente grande exige maior elaboração dos sentimentos, as tramas captam maior elaboração nos personagens. Todos queriam ser Pessoa e ter heterônimos (particular que esse homem tenha tido esse sobrenome, mas isso é outra obviedade). Então pariu-se um Agente Laranja. Olha ele ali em baixo, assinando - crédito mentiroso, deslavado, dessa vez, não foi você quem escreveu isso! Vai escrever frasesinhas isoladas procurando um estilo noveau-pop, vai, Agente Laranja, autor usurpador, e deixa esse texto-vida a quem ele pertence.
(Esse é um momento sem precedente no texto, que peço-lhe que note. Até então, eu estava no pleno controle de meu recurso estilístico. Vê que os parágrafos autobiográficos estavam em terceira pessoa, e os puramente irônicos se interpunham, com a verdadeira primeira pessoa, do autor, que se acreditava a si mesmo eu, até agora. Mas esse autorzinho aí, que sei lá quem é, desconstruiu meu jogo, usando minhas próprias mãos. Mostrou-me quem é que manda, ainda que não tenha dito quem é. Ele. Que manda.)

Lucas Lui, vinte-e-três anos, tantos caminhos para trás, tantos mais ainda pela frente. Uma idéia na mão e uma câmera na cabeça. Não sou eu, não é minha obra, não é minha vida. Sou um artista não sei do que.

9 commenti:

  1. Notas de um autor (qualquer um deles, não importa)
    1 - A citação inicial é de uma página em quadrinhos do Laerte, publicada no folhateen de segunda feira, 25/06/07. Se eu conseguir uma versão digital dela, substituo a citação aqui, vale bem mais a pena. Vocês precisam ver a cara dessa mulher.

    2 - Talvez mereça ir para o lixo, mas por hora ainda não vai. Talvez mereça ser trabalhado decentemente, transformado num texto de leitura mais fluída e agradável, ou talvez mais profundo e significativo. Mas precisava sair, precisava sair hoje, e precisava sair como saísse.

    3 - Também poderia se chamar "Writer's Block", "Que história aqui dentro espera um final?", "No fucking you, there's only me" ou "De como nunca saberei nada da vida", poderia mesmo, mas não se chama. A não ser dentro da sua cabeça, caso você não queira.

    4 - Um beijo pro meu pai, pra minha mãe, pra minha tia, e um outro especialmente para você!

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  2. MULHER, PELO O AMOR DE DEUS, PRECISA DAR UMA REVIGORADA E SAIR DESSE DILEMA. VAMOS SÁBADO NA JÔ E ELA FAZ UMA ESCOVA LINDA NA GENTE. DEPOIS A GENTE GASTA 500 REAIS EM SAPATOS. BEIJOS.

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  3. Poxa, olha essa Luigi.. haha
    Gostei do seu post Lui. E compreendo completamente o dilema. Talvez eu também devesse gastar uma grana em sapatos, pra ver se passa. (aposto que não.. mas pode virar um bom capítulo).

    Beju

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  4. Não é a Luigi, é o Luigi, um rapazinho aí de outras terras.

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  5. deixa o texto aí, ué.

    acho que tem um outro ponto para ser explorado: vida-obra parte do princípio de realizões, que quando não acontecem, desencadeiam essas angustias absurdas, mas se pensar a vida como uma sucessão ininterrupta de colisões ao acaso, bem, é igualmente dolorido, mas acho que passa um pouco essa sensação de que deveríamos estar fazendo alguma coisa.

    (claro que eu não consigo fazer essa segunda opção, aliás, já passou de meia noite, vou ali ler meu horóscopo).

    juliana

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