- Meu pai esconde cadáveres. Juro! Ué, você perguntou o que ele faz e eu respondi. Na outra escola não acreditaram também, sabia? Mas é verdade. Não sou louco não! Se você quiser, eu trago uma prova! Dããã, ele esconde porque não quer que as pessoas achem, oras. Por que a sua mãe esconde os biscoitos? Viu? Hmn, sei lá, acho que da polícia... meu pai fica nervoso sempre que tem polícia por perto, então acho que ela não pode achar os presuntos. Não, meu pai não esconde carne de porco! "Presunto" é o jeito que o chefe dele chama gente morta. Minha mãe que me ensinou a chamar de cadáver. Ela acha mais poético e instrutivo.
"Uma vez o chefe chegou correndo lá em casa, suado, no meio da noite. Gritou até o meu pai sair. Eles estavam tão assustados olhando pra própria sombra que nem perceberam que eu entrei no carro e fui com os dois. O seu Astozzi, que é o nome engraçado do chefe, falou que tinha matado um cafetão por acidente, que ele tava muito chapado, o pó, sabe como é? A minha mãe também diz que quer matar alguém quando vai tirar o pó das coisas, mas acho que não é do mesmo tipo... A gente chegou no lugar onde o tal do cafetão tinha morrido, e eu fiquei um pouco triste, porque eu perguntei pro meu pai se ele era um cafetão, cadê todo o café, que eu queria um pouco porque tava com muito sono, e ele riu e foi explicar que cafetão não queria dizer isso, daí percebeu que eu tava lá e deu um berrão enorme comigo que eu caí no chão e comecei a chorar. Meu pai pediu desculpas, fez um cafuné, e pediu pra eu fazer segredo, por isso que não é pra contar pra ninguém da outra sala, tá bom?"
"Aí ele levantou e eles começaram a conversar, eu só olhando. Meu pai avisou que o serviço era muito em cima da hora e que o sujeito era tão gordo que ele ia ter que cobrar o dobro, mas o homem falou alguma coisa de família e então o papai só cobrou cinquenta porcento a mais. Pegou um dos enormes plasticões pretos que ele guarda no porta malas do carro, estendeu do lado do presunto e pediu pro Astozzi ajudar a enrolar aquele monte de banha; depois, cortou uns pedaçoes bem grandes de corda com o canivete suíço e amarrou bem apertado, pra não desfazer o embrulho. Na hora de colocar dentro do carro, eles quase quebraram a coluna. O corpo era tão grande que não coube direito, e meu pai teve que pegar um bastão de metal e ficar batendo e entuchando até dar pra fechar. Ficou tudo manchado de sangue, e meio fedido, minha mãe ficou uma fera. Aí a gente foi prum aterro sanitário, onde tinha menos sangue, mas fede bem mais. Meu pai pegou uma pá e começou a cavar uma cova. Eu peguei o canivete e cortei um dedinho em segredo, pra guardar de recordação. É verdade, juro! Quer ver? Tá aqui no meu bolso... ei, volta aqui, espera! Droga, odeio almoçar sozinho!"
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