No grande prédio, daqueles que tem escritórios e consultórios e firmas de tudo, se gera muito lixo. e uma única faxineira, Luzineide, é quem leva todos os sacos de lixo que as equipe de limpeza de cada andar manda pro subsolo. Ela recolhe tudo pelos dutos, põe no carrinho e leva até a rua. As vezes um saco etá mal fechado ou muito cheio, e sobe um mau-cheiro. Quem liga pro cheiro? É bom quando dá pra ver o que tem dentro do saco. Parecem ser só objetos descartáveis, papel amassado e poeira. Mas muitos deles são o fim de uma história.
Se fosse letrada, seria uma escritora, sem sombra de dúvida. Talvez, se tivesse as técnicas e os materiais, ela fizesse histórias em quadrinhos. Mas contando só com o que tinha, Luzineide era uma narradora. E das boas. Seu lugar favorito era o ônibus. Duas horas no trânsito que pareciam bem menos com todos olhando para ela e ouvindo fascinados a última história que ela deduzia. "Não é fofoca, é o que eu acho". Uma vez ela achou um pedaço de pano de camisa rasgado com uma marca de batom e preso a um relógio quebrado. A história do advogado que foi pego traindo a mulher que o esbofeteou tão forte que o relógio enganchou na camisa e arrancou o colarinho fora foi um hit, recontada por meses.
A parte mais mágica das histórias de Luzineide é o fato de que, por serem sobre o lixo, elas sempre começavam do fim. Ela reconstruia os fatos prováveis em ordem inversa a cronológica, com precisão policial e inventividade romântica. O suspense nunca girava em torno do que vai acontecer, mas do porque vai acontecer; isso balançava a estrutura de novela a qual todos estavam acostumados. "Você devia estudar um pouco, Luzineide. E entrar pra tal da Academia de Letras". Mas não, que é isso, ela só gostava de contar o que imaginava. Um dia alguém percebeu a sacada, e elogiou a genialidade de Luzineide. "Sabe, se começasse do começo normal, que graça teria"; ela corou. Ficou até um pouco viciada em usar o lixo que era sempre o fim da história. Mas na que a gente conta dela, acaba sendo o começo.
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