Dia doze de junho, aqule lugar era tudo menos uma firma de contabilidade. As moças, orgulhosas, mostravam uma para as outras os presentes que os carinhosos namorados lhes deram. Esses, por sua vez, aproveitavam o romantismo do dia para comentar perto do bebedouro as diversas maneiras pelas quais cada uma delas sabia lhe agradar. A dona Gizela, uma dessas velhinhas simpáticas que deixam o cabelo arroxeado com rinsage, olhava meiga para a foto do falecido em sua escrivaninha. Todos que passavam davam lhe um beijo carinhoso nas bochechas, que eram retribuídos com sorriso, tudo muito cor-de-rosa. Pedro e Rique anunciaram o casamento, e chamaram todos os casais para a celebração à noite. Lina, a secretária, trocava sorrisos com seu marido, o faxineiro, enquanto acariciava a barriga de três meses. Os pombos que sujavam as janelas estavam excepcionalmente brancos e quase cantavam como canários.
Adalberto parecia ser a única pessoa preocupada com trabalho. Mas é um escritório de contabilidade, e é óbvio que ele não podia estar tão interessado assim. Ele estava fingindo que não existia, como sempre faz, até perceber que naquele dia não precisava fingir. O dia dos namorados é só para os namorados e quem não é um namorado é alguém só. Tentou esquecer isso com trabalho, mas não havia nada a fazer. Resolveu atualizar sua agenda, mas nem que conseguisse pesquisar os feriados nacionais do Djbouti teria o que por nela. O cheiro das flores espalhadas começou a ficar enjoativo, e a luz da sala era extremamente prejudicada pela grande quantidade de balões e objetos rosas e vermelhos. Adalberto era o último solteiro da face da terra.
Hora do almoço, ufa.
Comeu um sanduíche sozinho num banco de praça, olhou o bolso, juntou moedas. Comprou um maço de rosas de um ambulante; superfaturado pelo dia, lógico, mas mal se importou. Foi ter aquelas flores adalberto começou a gostar mais de si mesmo. Entrou numa perfumeria, surrupiou um batom do mostruário. No banheiro do bar na esquina, lambuzou a própria boca, tirou a camisa e beijou-a toda. Vestiu-se e lavou o rosto.
No elevador de volta ao trabalho, Paulo, o favorito do chefe, já puxou assunto. Dia dos namorados é o melhor, né? elas ficam todas apaixonadinhas... a sua é moderna, até flores, hein Adalberto?! Lá em cima, uma contadora, Luzia, perguntou quem era a felizarda. Célia. Dois meses agora, estavam bem felizes junto; o segredo foi mantido porque Adalberto não gosta de contar vantagem, mas ela é um mulherão - isso já foi quando os caras começaram a ouvir. Quando o universo já tinha encontrado o centro de sua expansão, o ponto onde ocorreu o big-bang em Adalberto e sua nova namorada, veio o grande teste. Pedro e Rique. convidaram os dois para a festa à noite (a mesma para a qual cinco minutos atrás ele não existia).
Poderia se assumir a farsa; poderia se usar o truque do queremos passar a noite à sós, mas ele estava cego pelo poder. Estaremos lá, ele disse, e ela vai adorar vocês. Lina melhorou as coisas; comentou como era legal eles não terem medo de expor o amor deles para estranhos, de se apresentar como casal, sem problemas com preconceitos. Adalberto gostava demais dos recém-descobertos holofotes. É claro que ela não vai ter preconceito, declarou, é um travesti.
Alguns segundos de silêncio e uns queixos no chão, Nélio, o office boy segurou um dos ombros de Adalberto e todo bonachão socou-lhe os braços, orgulhoso. Todos aplaudiram e o abraçaram.
E foi assim que Adalberto ganhou um prazo de seis horas para levar um travesti a uma festa como seu acompanhante.
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