giovedì, marzo 30, 2006

Uma vez em casa de macacos...

As velhas, longas e escuras escadarias de madeira não representaram dificuldade. O ranger dos degraus e as teias de aranha nada eram comparadas a sensação de que finalmente estava chegando em algum lugar. A porta do apartamento indicado um dia tinha sido de um vermelho radiante, mas apenas guardava alguns vestígios disso. Abriu-a, obviamente, um macaco.

Era de pelagem preta, um pouco maior do que eu. Vestia roupas todas brancas, incluindo sapatos e um jaleco, e trazia um estetoscópio pendurado em volta do pescoço. Cumprimentou-me educadamente, me pediu para entrar e me sentar no sofá. Tudo na casa era vermelho vivo ou amarelo, algumas coisas desbotadas pelo tempo ou por poeira, mas se sentia as cores vibrantes como o conceito decorativo do lugar. Não nos apresentamos. Ele chamou Clarice. Clarice era outra macaca de pelo negro, lábios cuidadosamente retocados com batom, vestindo um tailleur elegante e feminino. Examinou-me de cima a baixo com o olhar e declarou, "Primeiro ele deverá ir para o banho, querido, tentar ganhar alguma cor". Ela então me conduziu por um pequeno corredor até o cômodo onde estava uma antiga banheira de porcelana toda já rachada, com uma mistura quente e convidativa de água e sabão. Ela me ajudou a me despir e pendurou as minhas roupas, e pediu que eu entrasse calmamente na água.

Quando o fiz, senti um calor completamente novo. Dentro dos ossos. Não um calor imenso, mas um abraço confortável que fazia meu pulmão respirar e minhas veias pulsarem. Ausentou-se por uns instantes e trouxe um prato de sopa meio alaranjada. Com a colher, me alimentava como se eu fosse um bebê. A sopa era picante, parecia mais um creme de mostarda e cury. Ela recostou minha cabeça num travesseiro inflável e dormi confortavelmente, até o amanhecer, com o corpo imerso naquela banheira. No dia seguinte, quando eu estava começando a aceitar o fato de que o sol entrava pela janela, o macaco me despertou nervoso, reclamando que eu precisava levantar logo para os exames. Levantei meio bamba e com a pele toda enrugada e o segui para a sala ao lado. Deitei sobre uma mesa laboratorial. Ele pressionou meu abdome, tateando-o. Então, colocou sobre mim uma espécie de aparelho de raios-X esquisitíssima e observou-a por uma telinha.

- Você tem sorte, Rapaz! - ele disse, mostrando uma chapa que tirou do vazio no meu interior - Ele arrancou isso, mas o intestino não se acomodou, e ainda tem o espaço certo para o re-implante.
- Mas afinal de contas, o que ele arrancou de mim?! - não aceitei a explicação pela metade.
- Você viu, não viu?
- Vi, mas o que era aquilo?
- Não tem nome. Mas, se você viu e chegou até aqui, acho que você sabe o que é.

E, de certa forma, eu sabia.

*

Já vestido, com mais rubor na pele, esperei no sofá enquanto meus benfeitores se reuniam num último cômodo decidindo o meu destino. A porta do apartamento se abriu e passou uma menina de uns quatro anos, com trancinhas de chocolate, vestindo macacãozinho jeans e blusa cor de rosa. Ela pulava corda e cantarolava.
"Um homem bateu à minha porta
e eu
abri!
Senhoras e senhores...

Nesse momento, ela parou de pular, se concentrou um pouco, fez cara de decepção, largou a corda no chão e correu para fora do apartamento. De longe, a ouvi cantar outra canção e conclui que deveria estar bem. Acho que ela só demorou em perceber que a brincadeira que ela praticava requeria outros amigos.
Clarice e o macaco médico vieram até mim e me pediram que entrasse na sala de reunião. Fecharam a porta e me deixaram sozinho com um sujeito (humano) sentado atrás de uma grande mesa de madeira nobre. Havia um abajur clássico de cúpula verde esmeralda iluminando solitário todo o lugar. O homem fumava charuto, e fora por não ter uma viseira, pareceria muito um antigo editor chefe de jornal metropolitano. Olhou serenamente para mim e começou.

- Ninguém aqui sabe seu nome, não é mesmo?
- Não.
- Então eu o chamarei de Cor, porque eles exageraram no tratamento e você parece uma tevê com o ajuste de cor exagerado.
- E eu o chamarei de Charuto.
- Muito justo. Você parece ter entendido.
- Quem era a menina?
- Nós estamos cuidando dela, bem como estamos de você. Vocês têm os mesmos inimigos, e nós também. Isso te basta?
- Por enquanto, sim.

Charuto olhou sério para mim. Ele viu que eu também estranhava toda essa segurança que saia de minha boca. Devia ser efeito do tal tratamento que os macacos me deram. Sorriu.

- Os nossos cuidados não podem realmente substituir o que você perdeu. Logo você começará a definhar de novo, a não ser que encontre seu órgão e faça o re-implante.
- E como eu faço isso?

Apontou para minha roupa, especialmente para o volume que a metralhadora fazia guardada dentro dela.

- O sobretudo você já tinha. A metralhadora eu te dei. Saindo daqui, não peça nada aos macacos; eles te darão uma terceira coisa. Você vai precisar dos três e de mais coisas que vai achar pelo caminho. Agora, recomendo que você deixe esse lugar e agradeça pela hospitalidade. Te vejo num breve futuro, cor.

Disse isso e apagou o abajur. A única coisa que eu ainda conseguia ver era a moldura de luz em torno da porta. Sai por ela, encontrei os macacos. Disse lhes que precisava procurar o que era meu. Eles me deram então um chapéu de lã alaranjado, para me proteger da friagem. Clarice disse que essa era a terceira coisa. O médico então entregou também um cacho com sete bananas. Eu deveria comer uma por dia, sempre na mesma hora do dia. Acabado o cacho, eu precisava voltar imediatamente para manter o tratamento. Era a única chance que tinha de continuar vivo.
Agradeci mais uma vez e desci as escadas, só então pensando que eu realmente não fazia idéia de para onde ir. Não sabia nem ao mesmo como deixar aquele lado insensato da cidade. À porta do prédio, então, avistei, ao lado de um opala preto vistoso e inacreditavelmente inteiro e forte, o motorista caolho, que parecia estar me esperando.




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(capítulo quatro já do negócio. Já? finalmente. Pra entender melhor, 1, 2 e 3.)

lunedì, marzo 27, 2006

Paleta de cores

Desde que comecei a contabilizar, já estive cinza, então vermelho, depois azul, verde no começo desse ano e agora estou mudando para o amarelo e simplesmente não sei o que fazer.

Espero que na verdade não seja um problema, mas isso é um pouco verde de se pensar.

giovedì, marzo 23, 2006

domenica, marzo 05, 2006

Dois é bom.

Quando a gente nasce, deveria vir sempre com um outro eu anexado. Não um irmão gêmeo, só uma repetição de si mesmo. Alguém que está onde a gente quer e não pode, que faz o trabalho que a gente não consegue, que dobra nossa capacidade de tudo. Uma pessoa não tem como dar conta de uma vida inteira, dois é a conta certa. E aí, quando a gente precisasse dos outros, a gente sempre ia ter duas versões deles para escolher. A gente ia poder confessar para uma metade o que sente a respeito da outra. Dois de alguém para um de mim.